quinta-feira, 12 de julho de 2007

A Economia Solidária como base material de sociedades Pós- Capitalistas - Parte 3/6


Economia Solidária, Revolução Global e Sociedades Pós-Capitalistas.
Euclides André Mance
Março de 2007

Embora isso possa parecer estranho para muitos que não ouviram falar desse assunto, existem milhões de pessoas no mundo todo que praticam a economia solidária. Que trabalham e consomem com a finalidade de promover o bem-viver de todos, inclusive o seu próprio bem-viver pessoal. Nesse circuito econômico da economia solidária o que importa é assegurar as condições econômicas das liberdades pessoais e públicas, gerando trabalho e renda, a integração ao tecido sócio- produtivo de todas as pessoas em idade e condição economicamente ativa, visando abolir toda forma de exploração, dominação e exclusão, proteger os ecossistemas e promover o desenvolvimento sustentável.

Inicialmente a economia solidária surge como práticas bem-sucedidas de geração de trabalho e renda, de comércio justo, de consumo ético, de finanças solidárias, de difusão de tecnologias produtivas sustentáveis. Mas essas práticas estavam isoladas.

Algum tempo depois surgiram redes colaborativas integrando essas ações diversas, com estratégias de potencialização dos fluxos econômicos. Desse modo, ações de finanças solidárias possibilitavam a emergência de empreendimentos produtivos sob autogestão dos
trabalhadores, sem patrões ou empregados, utilizando tecnologias que provocassem o menor impacto possível nos ecossistemas e, igualmente, o melhor benefício social possível. Os produtos desses empreendimentos passam a ser comercializados em circuitos de comércio solidário, com lojas, feiras, sistemas de comércio justo internacional e vendas por Internet com entregas em domicílio. Os consumidores passam a substituir produtos e serviços que consumiam de empresas capitalistas por produtos e serviços gerados e comercializados no interior da economia solidária, buscando assegurar o seu bem-viver pessoal no ato de consumo, mas igualmente o bem-viver dos trabalhadores que produzem aqueles bens e serviços, tanto quanto a proteção dos ecossistemas e o desenvolvimento sustentável de suas comunidades. Tecnologias produtivas, como softwares livres e agricultura orgânica, entre outras, passam a ser utilizadas, desenvolvidas e compartilhas colaborativamente nessas redes. Os excedentes gerados nesse circuito passam a ser reinvestidos em favor do fortalecimento e da expansão do setor econômico solidário, parte deles sob a forma de microfinanças solidárias.

Em seguida, com base nesse acúmulo, a economia solidária gera no interior desse movimento uma concepção de desenvolvimento territorial sustentável, sob o controle da população local, propondo a reorganização das cadeias produtivas com base na autogestão social. Expande os horizontes da aplicação da autogestão não apenas para a esfera da atividade econômica, mas igualmente em relação à participação popular na definição dos orçamentos públicos e no
planejamento das cidades. E com base nessa participação propositiva, com abrangência e limites diversos em cada contexto, começam a surgir políticas públicas de economia solidária em diferentes países.

Por fim, no seio da economia solidária começam a ser debatidos e tratados temas globais, como os temas abordados nos FSM no eixo das economias soberanas. Mas não apenas reativamente e sim propositivamente, com relação ao comércio solidário internacional,
bem como em relação aos fluxos financeiros do capital internacional, tanto quanto em relação ao tratamento das dívidas externas. As décadas de experiências bem-sucedidas de emissão de moedas locais para intercâmbio em redes colaborativas ensejaram o desenvolvimento
de novas tecnologias da informação utilizando, ainda de forma experimental, smart cards e sistemas on line que permitem transações de compra e venda como moedas sociais que não mais são impressas em papel e avançou-se na metodologia de conversibilidade dessas moedas em busca da definição de uma unidade monetária solidária global.

Enfim, uma nova revolução está em curso e sua base material está se desenvolvendo. Mas pouco sabemos dela. Pois ao invés de centrarmos a atenção nas relações e fluxos que permeiam os processos, voltamos os olhos para as partes que constituem essas redes. Essa revolução das redes é simultaneamente econômica, política e cultural. E a realimentação dos fluxos entre as diversas redes que se interligam desencadeia simultaneamente processos de grande complexidade.

A base material dessa revolução, a economia solidária, está se desenvolvendo rapidamente. Entretanto, milhares de redes e milhões de pessoas que lutam pela construção de um outro mundo possível não a praticam. Primeiramente porque a desconhecem e secundariamente
pelas dificuldades encontradas no acesso aos produtos e serviços gerados no interior dessa outra economia.

Essas duas dificuldades serão superadas em breve. Então as principais dificuldades serão culturais: a superação de uma cultura consumista que valoriza a quantidade, o excesso, a posse e o descarte, ao invés de valorizar o bem-viver das pessoas e das comunidades. A dificuldade será a superação cultural de um padrão insustentável de produção, consumo e modo de vida, pela afirmação de um novo modo de produzir e consumir e conviver solidariamente, recuperando o sentido de dignidade da pessoa humana e de sua integração nas sociedades e ecossistemas, valorizando a diversidade das culturas, a convivência pacífica entre as pessoas e os povos e o exercício democrático da autogestão das comunidades e nações.

Ao mesmo tempo em que as redes colaborativas solidárias avancem nos âmbitos econômicos e culturais dessa revolução, simultaneamente também avançarão na esfera política, transformando os Estados, alterando suas atribuições e legislações – bem como os mecanismos de representação política e de participação popular. Trata-se de uma revolução e não há processos lineares. Cada realidade muda a seu modo. Mas a interligação das redes solidárias em processos colaborativos permite o mútuo aprendizado a partir de cada experiência histórica, bem ou mal-sucedida. As novas tecnologias da informação, utilizadas no interior dessas redes para tomadas de decisão democráticas, tendem a ser projetadas igualmente para certas tomadas de decisão no interior dos Estados, envolvendo comunidades
locais e, em certos casos, nacionais. Veremos surgir novos processos e mecanismos de governança e de gestão compartilhados, que poderão democratizar os Estados. Mas a sua implementação será fruto de revoluções democráticas, suportadas em uma nova base de produção material e nos horizontes de uma nova cultura, ambas desenvolvidas através desses fluxos colaborativos e solidários entre redes e pessoas, conectando o local o global.

Por Euclides André Mance - Março de 2007
(Tradução sintética ao Inglês em http://www.turbulence.org.uk/solidarityeconom.html)

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